Publicado Por: Alessandro Douglas

Pessoas da comunidade LGBTQIA+ tem direitos violados constantemente em seus lares

Costuma-se dizer que família é a base de tudo. Sempre estará ali. Porto seguro. E que se recorre a ela quando um momento de dificuldade aparece. Infelizmente nem sempre é assim. Especialmente quando se tem uma pessoa da comunidade LGBTQIA+ presente, e parentes intolerantes.

As pessoas dessa comunidade na maioria das vezes, já sofrem com autoaceitação, acreditando que existe algo de errado em serem da forma que são devido ao preconceito histórico existente. Os acontecimentos agravam-se ainda mais quando não há suporte por parte de familiares que vivem sob o mesmo teto que um LGBTQIA+, podendo ocasionar agressões verbais, psicológicas e até mesmo físicas.

Tiago*, 20 anos, estudante de Publicidade, se viu dentro de um caos após familiares tomarem conhecimento sobre sua orientação sexual. O estudante conta que foi expulso de onde vivia por conta disso: “Antes de o meu pai descobrir minha orientação sexual era mais tranquilo, alguns familiares já tinham noção, mas depois que descobriram foi horrível, fui até colocado pra fora de casa.”

Hoje em dia morando com seus primos, ele ainda revela que sofreu muito as com ameaças do pai, e violência verbal vinda de familiares. “Recebia diversas indiretas de pessoas da família que eu convivia, comentários tipo ‘as pessoas que você anda te influenciaram’, e ameaças do meu pai como ‘se continuar trazendo pessoas assim como você pra dentro de casa, jogo todos escada abaixo.’”

Segundo dados do GGB (Grupo Gay Bahia), em 2019 no Brasil morreram 329 LGBTQIA+, vítimas da violência. Foram 297 homicídios e 32 suicídios, equivalente a uma morte a cada 26 horas. A entidade diz que 52% dos homicídios contra pessoas do grupo acontecem no país.

A estudante de Nutrição, Carla*, 19 anos, também teve momentos de desconforto onde mora, ocasionados pela pressão sob sua orientação sexual. A jovem enfrentou isso quando tinha acabado de completar seus 17 anos de idade, e passou por momentos invasivos. “Foi muito estranho. Teve uma época que todos da minha família só sabiam falar da minha sexualidade, mas tudo às escondidas. Eu não sabia como reagir.”

Ela acredita que alguns familiares influenciaram sua mãe a fazer questionamentos para ela sobre o assunto quando ainda não se sentia preparada. “Eu creio que pressionaram tanto minha mãe por conta dos comentários que isso a fez vir falar comigo. Ela me perguntou se eu era lésbica, quando na verdade sou bi”, e completa “Passar por isso foi muito difícil, eu ficava perdida com toda a pressão, não sabia falar sobre aquilo e nem estava preparada, só queria fugir daquela realidade. Hoje em dia, anos depois, estou mais tranquila e menos insegura, mas sei que se eu aparecer com uma mulher [namorada] em casa ainda vai ser difícil no começo.”

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular mostra que 37% dos brasileiros ouvidos não aceitariam um filho ou filha homossexual. Na mesma pesquisa se foi perguntado sobre os direitos civis para casais do mesmo sexo, e 38% dos entrevistados disseram-se contrários.

Alex*, 23 anos, estudante do curso de Letras, diz que se sentiu reprimido em casa sendo homossexual, pois ouvia comentários preconceituosos de vários parentes próximos. “Piadas com teor homofóbico me deixavam desconfortável e, geralmente, eram feitas por tios, primos e até meu avô. Quando transmitiam beijo gay na novela, minha mãe dizia que achava aquilo uma aberração, que era pecado e que nunca entenderia”, conta.

O estudante diz que teve sua privacidade violada durante um tempo em sua vida. “Minha mãe já pediu pra ler minhas conversas no celular, e me deixou sem meu aparelho durante um mês. Também já fui proibido de encontrar amigos, por ela achar que eu era influenciado a ser quem eu sou. Eu me senti um lixo. Fiquei depressivo e já cheguei a pensar que preferia não ter nascido.”

Ele revela que agora está tudo bem comparado há um tempo, e que tem seu espaço respeitado hoje em dia. “Depois de tudo que passei, está tudo bem melhor. Meu pai falou que me amaria do mesmo jeito, já minha mãe disse que ainda não aceitaria o fato de eu ser gay, mas iria respeitar. Todos me tratam normalmente no dia a dia. Só é preciso apoio e compreensão. LGBTs sofrem demais nas ruas. Ser discriminado dentro da sua própria casa por pais e familiares é lamentável.”

Esses são alguns dentre os milhares casos de pessoas LGBTQIA+ que sofrem discriminação dentro dos seus lares, por pessoas próximas. Dados apontam que o preconceito geralmente começa dentro de casa.

Um em cada três homens gays se sentem inseguros em casa por conta da quarentena, segundo pesquisa feita através do aplicativo de relacionamento gay dos EUA, Hornet.

Na pesquisa, 30% dos quase 3.500 entrevistados, disseram se sentir inseguros psicologicamente ou fisicamente em casa. Brasileiros tiveram destaque, sendo os que mais responderam o questionário enviado para 30 milhões de usuários no mundo.

Rildo Veras, militante LGBTQIA+ há 15 anos, reforça que a opressão familiar constitui-se na primeira violação de direitos humanos, e que é nesse ambiente onde a opressão começa a tomar forma. “É no seio familiar que as LGBTfobias nascem. Observamos que o apoio das famílias é de suma importância para que LGBTs possam exercer sua cidadania, empoderados/as para exigir direitos e superar preconceitos e discriminações.”

Rildo é presidente do movimento recifense Leões do Norte, que milita há mais de 18 anos em defesa dos direitos da comunidade LGBTQIA+. Na atuação da instituição é defendida a cidadania das pessoas desse grupo em Pernambuco, fazendo cobranças ao poder público por qualidade nos serviços prestados. A ação tem sido importante na contribuição do levantamento de leis, como a Lei Municipal 16.780/2002, que pune a discriminação por orientação sexual.  Rildo ainda recomenda a quem se sentir impotente no seio familiar, procurar ajuda nos movimentos sociais: “Vocês não estão sozinhos/as. Existem inúmeras possibilidades de superar essa situação. Sair da passividade é o primeiro passo.”

O advogado Paulo Uchôa, diz que existem leis conquistadas para os direitos da comunidade LGBTQIA+, mas que ainda são escassas. Ele ressalta a decisão tomada pelo STF a favor de criminalizar mais severamente a violação. "A homofobia pode ser considerada crime por equiparação ao crime de racismo, dessa forma o ofendido/agredido poderá recorrer à Justiça para a devida punição do agressor, mediante denúncia ao Ministério Público e/ou Delegacia.”

O preconceito contra pessoas LGBTQIA+ ainda é muito presente no cotidiano, principalmente no brasileiro. Gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais dentre outros representados na sigla, sofrem diariamente violações por conta de sua orientação sexual e identidade de gênero. Isso é presente nas ruas, mas ocorrem também em lares. Pessoas que deveriam dar suporte se tornam agressoras.

Se você é ou conhece alguém que se encontra em situação de violação por LGBTQIA+fobia,  é possível procurar ajuda em movimentos sociais e serviços especializados. Alguns meios a que se pode recorrer:

Delegacias – As delegacias devem atender todas as vítimas de homofobia, e é necessário registrar um Boletim de Ocorrência.

190 – Número da Polícia Militar para serviço telefônico. Funciona 24h por dia.

Disque direitos humanos Disque 100 - O atendimento acontece também via telefone. A ligação é gratuita funciona em todo território brasileiro, 24h por dia, 7 dias por semana.

Aplicativo Todxs – O app mapeia LGBTfobia e conta com organizações que protegem a comunidade. Nele também se podem fazer denúncias contra homofobia e transfobia, além de avaliar atendimento policial.

*Foram usados nomes fictícios para as vítimas entrevistadas.

Matéria: Lucas Pinto

@ifuseekluc

 

 

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