Título Notícias Humanitas

Distribuição da água, coleta e tratamento do esgoto rumo a privatização em Pernambuco

Publicado Por: José Maria

Virou palavrão falar em privatização, depois das promessas não cumpridas com a privatização da distribuidora de ener-gia elétrica, a Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), atual Neoenergia. Nem houve modicidade das tarifas, pelo contrário; nem ocorreu a melhoria da qualidade na prestação dos serviços e nem houve os investimentos milioná-rios prometidos. Diante desta realidade, tentar convencer os pernambucanos de que não é privatização e sim conces-são, como está sendo propalado para o caso da Companhia Pernambucana de Água, Esgoto e Saneamento (Compesa), de fato não irá convencer ninguém de que a parceria com a iniciativa privada vai melhorar os serviços e que isso não representará aumento na tarifa.

Os defensores do Estado mínimo, os privatistas defensores de seus negócios e interesses pessoais, os políticos oportu-nistas, fogem como o diabo foge da cruz, quando se fala da privatização da Compesa. Até seu presidente afirmou em entrevista à mídia “que a Compesa é imprivatizável”.

Todavia o que está decidido, desde o início do mandato da governadora Raquel Lyra (PSDB), é que a última grande joia da coroa do Estado seria privatizada, com o objetivo alegado de atender às diretrizes do Marco Legal do Saneamento Básico, cujas metas aponta para a universalização dos serviços de água e de coleta e processamento de esgoto até 2033. E sem dúvida para o governo fazer caixa com os recursos arrecadados com o leilão. 

O estudo de como seria a participação dos investimentos privados na empresa foi encomendado junto ao Banco Naci-onal de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no início de maio de 2023. Já o relatório final foi apresentado em meados de março de 2024, contemplando 3 propostas: a de concessão total, a de concessão parcial, e a de conce-der ao capital privado somente os serviços de coleta e tratamento de esgoto. Se fala em concessão, que é uma manei-ra de privatização, já que a empresa ganhadora da licitação ficará 35 anos à frente dos negócios. E, dependendo do contrato assinado entre as partes, poderá até constar uma cláusula com renovação automática.

A decisão tomada pelo governo foi a privatização parcial, ou seja, a Compesa (empresa de economia mista, com o Estado o maior acionista) continuará atuando na captação e tratamento da água e a iniciativa privada ficará com a distribuição da água e a coleta e tratamento dos esgotos. Um dos aspectos de questionamento a este modelo é que ele tem pouca flexibilidade para mudar durante sua execução. Depois que começar é muito difícil parar, é pouco adap-tável ao longo do tempo.

A situação no Estado sobre as condições de abastecimento de água e saneamento, segundo levantamento realizado pelo Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), para o ano de 2022 (último ano disponível da série histórica), mostra que 87% dos pernambucanos tinham acesso à água tratada e apenas 34% tinham acesso à coleta de esgoto. Com um índice de perda na distribuição de água de cerca de 46%. No Brasil, as perdas de água tratada chegam a 39% em média, e 85% da população é abastecida com água potável. A proporção de domicílios com acesso à rede de coleta de esgoto chega a 63%.

No caso do abastecimento de água tratada os dados divulgados não refletem de fato a realidade presente na maioria dos municípios, que sofrem com o racionamento, com rodízio no fornecimento, com o desabastecimento mesmo com água disponível nos reservatórios, além dos efeitos da seca hidrológica, cuja tendência com as mudanças climáticas é de serem intensificados. Não será a privatização quem vai resolver estes problemas.

Segundo experiências em várias regiões do país e no mundo, que já passaram pela privatização, a situação é bem dife-rente dos argumentos de quem apoia a privatização: de que as contas de água ficarão mais baratas, que o serviço será prestado de forma mais eficiente e que as cidades atingirão rapidamente a universalização. 

]Grande parte do funcionamento desta iniciativa, inclusive de como será a remuneração da empresa privada, a tarifa paga pelo consumidor, será conhecida depois da contratação da empresa vencedora do certame. É (re)conhecido que os contratos de privatização costumam ser extremamente favoráveis, lenientes e permissíveis com as empresas priva-das. 

E a quem caberá a fiscalização da empresa privada em relação aos compromissos estipulados no contrato de privatiza-ção? Hoje, segundo o portal da Agência de Regulação de Pernambuco (ARPE), ela é quem atua em relação aos aspec-tos técnico-operacionais na fiscalização dos sistemas de abastecimento de água, de esgotamento sanitário, no contro-le da qualidade da água distribuída, no controle da eficiência do tratamento dos esgotos e que, ainda, monitora os indicadores técnicos operacionais. Também fiscaliza assuntos relacionados ao segmento comercial, referente aos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto.

O processo, encaminhado pela Secretaria de Recurso Hídricos e Saneamento (SRHS), entrou em sua fase final em rela-ção às formalidades exigidas antes do leilão da empresa. O fato de não ser considerada legalmente uma privatização, com a transferência de ativos da empresa pública para a iniciativa privada, alienando os bens da empresa pelo governo Estadual, este processo de “concessão” desobriga a aprovação do negócio pela Assembleia Legislativa do Estado (ALEPE). 

Todavia a Constituição Federal de 1988, exige a realização de audiências públicas. Em nome de uma pseudo transpa-rência e de participação popular, um calendário com 5 audiências públicas foi definido pela SRHS nos municípios: Reci-fe, Caruaru, Petrolina, Salgueiro e Serra Talhada. 
As audiências públicas que deveriam ser um instrumento de participação popular, um espaço em que se expõe e debate, propiciando à sociedade o pleno exercício da cidadania, acaba sendo uma mera formalidade, uma palestra de tecnocratas, cujo conteúdo é de difícil apropriação dos poucos representantes da sociedade presentes.

Com a compreensão de relativizar as audiências públicas pois não têm o poder de vincular a decisão estatal, a finalida-de das audiências públicas seria de trazer subsídios para dentro do processo decisório, fazendo parte da sua instrução e, assim, a capacidade de aproximar o político da sociedade.

O que de fato tem-se verificado nestas audiências esvaziadas, com escassa presença dos maiores interessados, os que serão impactados pela decisão política adotada, não foi um efetivo intercâmbio de informações com a Administração Pública, e sim um monólogo.

Se pode afirmar que a privatização (mesmo chamando de concessão de 35 anos) de serviços essenciais, como água e saneamento, não resolverá os problemas de acessibilidade e qualidade enfrentados pela população. O que se tem veri-ficado é a tendência que esses serviços se tornem mais caros, e mais difíceis de serem acessados, principalmente pelas populações mais vulneráveis. Por uma simples razão, que está na essência do setor privado, o lucro, e assim maximizar o retorno aos seus acionistas. A empresa privada só irá investir se a região a ser atendida der lucro.

Água e saneamento básico é um direito, não uma mercadoria.


 

Heitor Scalambrini Costa

Professor associado aposentado da Universidade Federal de Pernambuco, graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNI-CAMP/SP), mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade Federal de Pernambuco (DEN/UFPE) e doutorado em Energética, na Universidade de Marselha/Aix, associado ao Centro de Estudos de Cadarache/Comissariado de Energia Atômica (CEA)-França.

Visualizações:
19
Compartilhar:

Título Notícias Humanitas

Publicador de Conteúdos e Mídias

compesa.jpg

Distribuição da água, coleta e tratamento do esgoto rumo a privatização em Pernambuco

Virou palavrão falar em privatização, depois das promessas não cumpridas com a privatização da distribuidora de ener-gia elétrica, a Companhia Energética de...

Virou palavrão falar em privatização, depois das promessas não cumpridas com a privatização da distribuidora de...

alianca_macabra.jpg

Aliança macabra: combustíveis fósseis e a agropecuária predatória

A população mundial vive um momento singular diante dos eventos provocados pelo aquecimento do planeta. Ondas de calor, chuvas torrenciais devastadoras,...

A população mundial vive um momento singular diante dos eventos provocados pelo aquecimento do planeta. Ondas de...

23_smu.jpeg

23ª Semana da Mulher da Unicap

18, 19 e 20 de março de 2025 A 23ª Semana da Mulher da Unicap (SMU) é um momento de reflexão e diálogo na linha da transdiciplinaridade, troca de saberes...

18, 19 e 20 de março de 2025 A 23ª Semana da Mulher da Unicap (SMU) é um momento de reflexão e diálogo na linha da...

Dia_DH.jpg

Dia Internacional dos Direitos Humanos

No Dia Internacional dos Direitos Humanos, reforçamos o compromisso com a dignidade de cada pessoa e com os direitos da Casa Comum. O Instituto Humanitas...

No Dia Internacional dos Direitos Humanos, reforçamos o compromisso com a dignidade de cada pessoa e com os direitos...