Publicado Por: Alessandro Douglas

O Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social - CENDHEC, enquanto Centro de
Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, se solidariza à dor da família de Miguel pela
sua perda e se coloca à disposição da família para somar esforços no sentido de que a justiça
seja efetiva e rigorosa para a devida responsabilização dos envolvidos.
Entretanto, o fundamental, aqui, é compreender o que esse trágico episódio revela,
destacando as diversas faces das desigualdades, descriminações e das violações dos direitos
humanos de crianças e adolescentes e, em especial, do conjunto das populações negras neste
país.
Em termos exclusivamente técnicos, podemos afirmar que a principal responsável pelo crime é
a empregadora da mãe da criança, uma vez que estava com a guarda momentânea da criança
na ausência de sua mãe. Era seu dever legal e moral zelar e proteger a criança, filho de sua
funcionária, que estava sob seus cuidados, conforme previsto nos artigos 4º e 5º do Estatuto
da Criança e Adolescente.

Contudo, o fato em si é representativo para escancarar o recorte racista e classista exposto
nesta situação que pode ser demonstrado numa rápida recuperação de aspectos históricos e
que denunciam as mais amplas e perversas reproduções de práticas reacionárias e criminosas
de épocas passadas e que jamais deveriam estar no cotidiano de dias atuais, como vemos...
Aconteceu nas “Torres Gêmeas”, símbolo da distribuição desigual da cidade do Recife. A cena,
que não é de filme, é de um país entranhado pela violência da colonização. Aos olhos, a casa
grande, a patroa com o serviço de uma manicure em casa, uma criança no parapeito e a
doméstica passeando com os bichos da Sinhá. “Tragédia!”, dirão os partidários do classicismo
ou racismo reverso, fluente nestes tempos sombrios em que o fascismo bate à porta.
É Pandemia sim, mas ainda que o Ministério Público do Trabalho – MPT (Nota Técnica nº
4/2020) recomende a dispensa remunerada as/aos trabalhadoras/es domésticas/os, aos
corpos negros é negado o “fique em casa”, para a necropolítica engendrada entre elite e
Estado, a vida, especialmente a negra, é “descartável no Brasil”.
Neste duro cenário, indagamos: o que tem a ver a Vida de Miguel, cinco (5) anos, em
Recife/PE/Brasil, com a vida de João Pedro, 14 anos, no RJ, a de George Floyd, em Minneapolis
– Minnesota/EUA e a Vida de Ágata, Jenifer, Kauan, Kauã, Kauê - RJ, e de tantas outras Vidas?

E diante de tudo, o que acontece com um branco que veste farda policial e mata? E o que
acontece com a Sinhá patroa que coloca a empregada doméstica para trabalhar em tempo de
Covid-19, levando o cachorro da sinhá madame para passear, enquanto não suporta as ações e
reações do Miguel, de apenas cinco (5) anos, querendo sua mãe, o filho preto da empregada
preta e pobre que atrapalhar a Sinhá, em um curtíssimo período de tempo, de fazer as unhas?
Pessoa esta, quase inocentada pelo delegado que é o responsável pela apuração do caso,
quando esse afirma que foi um acidente. Estaremos atentos aos procedimentos criminais para
que a responsabilização seja condizente com os fatos.
Isso é RACISMO ESTRUTURAL! É o reflexo do quanto os senhores e as sinhás ainda violentam e
subjugam a população preta. Do quanto à cordialidade nunca existiu nesse país direcionada a
pretos e pretas, que na verdade vive sob o lema do “salve-se quem puder” nesse grande e
eficaz projeto de extermínio da população negra, que é o Brasil. Extermínio que assume
variadas formas: lançando uma criança de cinco (5) anos sozinha, em elevador de prédio e
apertando o botão do salve-se se for capaz! E aí, o que concluir?
Seja de morte por bala atirada contra a população da favela, seja por enforcar o pescoço até a
morte, seja de fome, sem saúde, sem moradia, sem educação, seja apoiando e/ou votando a
Emenda Constitucional 95 (EC da Morte), seja liberando a quarentena numa demonstração
nítida de extermínio da população periférica.
O Cendhec entende e defende que precisamos estar todos e todas efetivamente
implicados com práticas e atitudes cotidianas antirracistas: nos espaços domésticos,
profissionais, institucionais, na mídia, nos espaços públicos. O antirracismo deve se
materializar e se efetivar em ações concretas. São elas também que movem
estruturas. É necessário combater o ranço escravocrata que ainda permeia a elite
branca brasileira.
O que aconteceu com o Miguel nos incomoda, nos faz sofrer, mas nos desafia
institucionalmente a permanecer firmes na luta e no enfrentamento ao racismo.

NOTA PÚBLICA - VIDAS NEGRAS IMPORTAM! MIGUEL PRESENTE!

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