Publicado Por: Alessandro Douglas

02 DE JULHO DE 2020
Acesse em: www.apoinme.org

Se me der a folha certa
E eu cantar como aprendi
Vou livrar a Terra inteira
De tudo que é ruim
Eu sou o dono da terra
Eu sou o caboclo daqui
(Kirimurê – J. Velloso)

Neste boletim apresentamos um balanço de dois meses (Maio e Junho/2020) de atividades de monitoramento dos impactos e do enfrentamento da COVID-19 entre os povos indígenas nos dez estados que compõem a área de abrangência da Apoinme (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo).

A situação das Terras Indígenas na Região Leste-Nordeste

Nesta região existem 86 povos indígenas que vivem em mais de 200 Terras Indígenas(TIs) em diferentes situações territoriais rurais e urbanas, que somavam uma população de 213.691 pessoas em 2010 (IBGE), das quais apenas 134.016 são hoje atendidas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde através dos Distritos Especiais de Saúde Indígena, os Dseis.

Apesar da significativa quantidade de Terras Indígenas, estas não constituem áreas de grande tamanho e, geralmente, possuem uma população numerosa e concentrada. Os processos de regularização fundiária destas TIs encontram-se em diferentes estágios administrativos e muitas sequer aparecem nas listas de terras a identificar pela Funai. Todas as terras apresentam altos níveis de degradação ambiental provocadas por décadas, ou mesmo séculos, de exploração do agronegócio, da pecuária, de empreendimentos dentro e no entorno de Terras, entre outras situações que tornam vulneráveis esses povos e seus modos de vida. A urbanização avança em muitas TIs. Algumas estão em áreas de intenso fluxo turístico e são cortadas ou facilmente acessadas por rodovias estaduais e federais de grande movimentação, o que permite um fluxo constante de pessoas nestas áreas. Tudo isso marca um quadro generalizado de conflitos fundiários e provoca imensas dificuldades na atenção à saúde indígena. No contexto da pandemia do coronavírus, para a maior parte destes territórios, é quase impossível se limitar o acesso de pessoas por períodos muito longos.

O impacto da pandemia

A contaminação pela Covid-19 atinge de modo desigual as terras indígenas nessa região, sendo mais prevalente em contextos com elevado nível de urbanização, fácil acesso por rodovias e com processos de demarcações inconclusos, a exemplo dos Tremembé(CE), Tapeba (CE), Potiguara (PB) e Fulni-ô (PE). Nestes povos a contaminação ultrapassa a marca de 100 casos acumulados em dois meses, sendo os três últimos com registros de óbitos. Há incidência significativa de contaminação também entre os povos Anacé (CE), Potiguara Catu (RN), Kariri-Xokó (AL), Tupinambá (BA); Pataxó (BA), Tupiniquim (ES), Xukuru-Kariri (AL) e nas aldeias urbanas do município de Crateús (CE).

A disseminação da Covid-19 tem ocorrido principalmente por via terrestre, seguindo o eixo das principais rodovias da região, como: a BR-101, a BR-232, a CE-085,a BR-423 e a BR-020. O Rio São Francisco parece funcionar como uma barreira efetiva à contaminação na fronteira entre Pernambuco e Bahia, uma vez que existem casos nas terras indígenas no lado pernambucano do rio, mas não no lado baiano. Outras regiões sem casos ou com baixa prevalência nas TIs são o Oeste da Bahia, Cerrado Piauiense, Minas Gerais, Sertões do Ceará e do Rio Grande do Norte.

Infelizmente, a curva de contaminação na região como um todo continua ascendente, demonstrando as dificuldades para evitar a propagação da doença, bem como a intensificação do processo de interiorização da mesma. No momento, acontecem novos casos em aldeias e povos ainda não atingidos, que representam um sério risco de novos surtos em terras indígenas onde a atenção e o controle epidemiológico podem ter relaxado …

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