Os 100 anos de Abelardo da Hora - Unicap
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Os 100 anos de Abelardo da Hora
Com informações do site ebiografia.com
Os jardins da Biblioteca da Universidade Católica de Pernambuco formam uma paisagem que combina natureza e arte. Além dos patos e pavões que permeiam a grama e o imaginário da comunidade universitária, uma escultura de concreto, com quase três metros de altura não passa despercebida por quem passa por ali. O “Monumento aos Estudantes” foi elaborado pelo artista plástico Abelardo da Hora, que completaria 100 anos nesta quarta-feira (31).
O escultor, desenhista, gravador e ceramista brasileiro se tornou conhecido por retratar mulheres e temas regionais, tornando-se um dos maiores escultores do século XX em Pernambuco. Ele nasceu na Usina Tiúma, em São Lourenço da Mata, Região Metropolitana do Recife. Estudou Artes Decorativas no Colégio Industrial Professor Agamenon Magalhães, formou-se em Direito pela Faculdade de Olinda e frequentou a Escola de Belas Artes. Trabalhou na Cerâmica São João, época em que serviu como orientador ao então futuro ceramista Francisco Brennand.
Em 1946, foi um dos criadores da Sociedade de Arte Moderna do Recife, sendo seu diretor por quase dez anos. Em 1956 foi eleito delegado de Pernambuco, na Seção Brasileira da Associação Internacional de Artes Plásticas, da UNESCO e logo depois realizou diversas exposições nos Estados Unidos, Europa, Argentina, Mongólia, na antiga União Soviética, em Israel e na China.
Em 1962 publicou seu álbum emblemático “Os Meninos do Recife”, com gravuras feitas em bico de pena, mostrando as misérias em torno da cidade. Ainda na década de 60 fundou o Movimento de Cultura Popular, que reunia além das artes plásticas, a música, a dança e o teatro.
Abelardo é avô de um dos professores do curso de Publicidade e Propaganda, Rodrigo Duguay, que conversou com a reportagem sobre sua relação com ele, legado e valores deixados pelo artista.
Qual mensagem o “Monumento aos Estudantes” lhe transmite?
Rodrigo Duguay - Pelo que lembro, e pelo que percebemos, o conhecimento é a grande conquista dos estudantes. Essa era a visão dele, uma pessoa combativa, especialmente no fim da ditadura militar.
Quando olhamos para o Monumento ao Estudante, vemos duas mãos levantadas segurando livros. Ele não colocou apenas um homem, mas um homem e uma mulher - não apenas pela figura feminina, mas pela igualdade. Com os dois, lado a lado. Isso mostra a importância da união de todos na busca pelo conhecimento.
A arma do estudante é o saber. Essa escultura quase que convoca os estudantes a valorizar o conhecimento. É por isso que acho a obra de Abelardo tão bonita.
Como foi o convívio com Abelardo?
Rodrigo Duguay - Cheguei aqui em 1980, vindo de Brasília, com apenas 6 anos. Fui morar com meu avô, que assumiu para mim a figura paterna. Meu avô sempre foi a presença de pai em minha vida. Mesmo austero e exigente quanto aos estudos, ele era de fácil convivência, não me lembro de castigo ou de briga comigo criança. Mesmo sendo de outra geração, ele não impunha formalidades como "senhor" ou "senhora" e nunca "pedia benção", algo comum entre outros avós da minha época.
Meu avô era uma pessoa aberta, democrática e carinhosa. Lembro-me de que ele me abraçava e acolhia, algo que percebi ser raro em outras avós. Eu olhava todo mundo com certa dificuldade de falar e beijar seus pais, e ele não. Ele era uma figura maravilhosa: alegre e divertido. Cantava muito "uns sambas antigos", como ele falava. Essa alegria e leveza é algo que levo comigo até hoje. Nos momentos difíceis, tento encarar as dificuldades com leveza, uma lição que aprendi com ele.
Há alguma curiosidade ou “causo” que você poderia compartilhar?
Rodrigo Duguay - Acredito que uma das histórias mais interessantes que me recordo é de quando o Papa (João Paulo II) visitou Recife na década de 1980. Havia uma escultura do meu avô em frente a um edifício no Pina, acho que o nome do prédio é Canopus, mas não tenho certeza. Como o Papa João Paulo II passaria pela Avenida Boa Viagem, decidiram vestir a escultura, que era de uma mulher nua, temendo que pudesse ofendê-lo.
Meu avô ficou indignado com essa decisão. Ele argumentou que quem tomou essa atitude nunca havia visitado a Capela Sistina ou o Museu do Vaticano, onde há inúmeras representações de pessoas nuas. Para ele, a arte jamais poderia ofender o Papa. Essa história é muito engraçada porque mostra como nossa mentalidade naquela época ainda era muito retrógrada e como a ideia de arte era estranha para muitos.
Acredito que foi por isso que meu avô lutou tanto para que tivéssemos obras de arte, esculturas e pinturas nos prédios. Ele idealizou a Lei do Recife, que exige esculturas em edifícios públicos, para aproximar a arte das pessoas e fazer com que elas sintam a arte viva. Graças ao esforço dele, transformamos Recife numa galeria de arte a céu aberto, algo que não se vê em outras grandes cidades.
Que valores dele contribuíram para sua formação?
Rodrigo Duguay - Meu avô era financeiramente desprendido, não se preocupava com acúmulo de bens. Era um humanista, na prática da vida, não apenas nas palavras. E como você sabe o discurso vazio não sensibiliza, mas o exemplo arrasta e sua influência foi enorme. Levou tempo para eu entender o gênio, o artista. Mas o pai e o avô sempre estiveram comigo. Nunca o vi exasperado por problemas financeiros ou contas a pagar. O que realmente o tirava do sério era a injustiça social, a fome e a desigualdade. Essa sensibilidade para as injustiças também ficou em mim. Conviver com ele foi essencial para absorver seus valores de fraternidade e luta contra a guerra, o ódio e a desigualdade.
Como você percebe o legado dele para a arte e a cultura brasileiras?
Rodrigo Duguay - Abelardo tem um legado enorme para a arte pernambucana e brasileira. Ele participou da fundação do MCP, (Movimento de Cultura Popular), não como um integrante, mas trazendo o elemento essencial do movimento. Ele foi fundamental para a concepção de um movimento de cultura popular, como Arraes criou e como se espalhou pelo país depois com os CPCs da UNE.
Abelardo já tinha um Ateliê Coletivo antes do MCP baseado na premissa de formar artistas sem nenhum custo. Ele ministrou aulas gratuitas e trazia pessoas e as formava em escultura, pintura, cerâmica, gravura. Não era uma ideia social "de gaveta": ele levava isso à prática. Ele falava da cultura do Brasil, indo aos terreiros de candomblé, manifestações populares, carnaval e festas regionais e folclóricas. Ele abria sua casa para ser esse ateliê coletivo e desse projeto saíram nomes como José Cláudio, Corbiniano Lins, Gilvan Samico, Guita Charifker, Welington Virgolino, Wilton de Souza.
Quando ele leva o que Atelier fazia para Arraes, ele amplia o projeto, incluindo música e alfabetização. Isso se torna uma ação voltada para a difusão da arte e construção de uma linguagem própria. O primeiro grande grupo modernista articulado autenticamente pernambucano de artistas vem do ateliê coletivo de Abelardo. Isso gerou duas ou três gerações de artistas plásticos para o Estado.
Fotos: Alex Costa e Rodrigo Duguay (acervo pessoal)
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