O livro "Teologia da Felicidade" é lançado na Unicap - Unicap

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O livro "Teologia da Felicidade" é lançado na Unicap

Publicado Por: Dell Souza

Fé, esperança e felicidade, esses são os temas centrais do livro "Teologia da Felicidade", lançado na última segunda-feira (12), na Universidade Católica de Pernambuco.  A obra é fruto da tese de doutorado, "Felicidade e Teologia: traços para uma reconciliação", desenvolvida por Sérgio Albuquerque Damião, com a orientação do Professor Luiz Fernando Ribeiro Santana, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC Rio).   No livro, Sérgio retrata a experiência humana na vivência e partilha do sentimento de felicidade, dialoga constantemente com a teologia e  apresenta uma abordagem  fundamental para a reflexão acerca da esperança e vivência de fé.

Conversamos com o autor do livro, Sérgio Albuquerque Damião, que deu alguns detalhes das histórias e acontecimentos que marcaram a sua vida e serviram de inspiração para inscrever a obra, acompanhe. Ele nos contou o porquê da escolha do tema e como a teologia passou a fazer parte da sua vida. 

Entrevista com o autor do livro, Sérgio Albuquerque Damião

Quem é Sergio Albuquerque?

Apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes… Eu sempre quis dizer isso. Mas deixando de lado o Belchior, é difícil apresentar uma definição própria tendo em vista que, em certa medida, sou o resultado das vivências, escolhidas ou impostas, que me atingiram. Quando olho pra trás e percebo que na minha história de filho de nordestinos pobres (meu pai era porteiro e minha mãe faxineira), em que precisei trabalhar desde cedo como entregador de farmácia e, para estudar, eu exerci o ofício de pipoqueiro ou dependi, por estar desempregado, em determinado momento, de cestas básicas para viver… a pergunta sobre a felicidade sempre esteve, de alguma maneira, presente.  

Hoje sou alguém que carrega em si as marcas, positivas ou não, destas vivências e que ainda acredita que a felicidade, experimentada verdadeiramente em nossa humanidade, pode ser força de transformação pessoal e social, que amplia os horizontes de nossa vivências e nos faz lutar por uma sociedade com mais oportunidades para todos e todas e, portanto, mais feliz.

Porque você escolheu esse tema e Porque a teologia?

A questão sobre a felicidade me acompanha desde minha infância. Ela foi plantada pelo meu avô, Eduardo Gonzaga de Albuquerque, que sempre me abençoava dizendo: “Que Deus te faça feliz.” Esta benção me marcou demais e me fez ter sempre a felicidade no horizonte das minhas escolhas, mesmo quando isso não era tão claro - e continua não sendo. Logo, escolher pesquisar sobre ela não foi difícil, apesar do pouquíssimo espaço que a academia tem dado a este tema, algo que parece estar mudando recentemente. 

A teologia é um destes encontros que nos desinstalam e nos oferecem uma nova perspectiva. Confesso que não sabia muito bem o que estava escolhendo no momento em que decidi estudá-la, talvez, se soubesse, não a teria escolhido.  Hoje, trata-se de uma paixão que se alimenta de uma experiência pessoal e me diz que a existência pode ser lida por uma ótica que tente vislumbrar e sintonizar com esse mistério que nos convida continuamente a irmos além de nossas cômodas seguranças, levando-nos a aprofundar e experimentar o fascínio de estarmos vivos.

Teologia e Felicidade, como foi possível fazer essa relação, ou pelo menos, juntar esses dois temas em um livro?

A teologia  cristã se propõe a refletir a respeito da relação estabelecida entre o ser humano e Deus. Trata-se sempre de uma reflexão que, a partir de uma experiência de fé, procura discernir e aprofundar o que percebe da atuação de um Deus que se revela como salvação e realização plena do ser humano. Desta forma, falar de felicidade não pode ser algo estranho ao discurso teológico. A felicidade é a esperança que preenche toda revelação cristã e não pode ser compreendida como algo secundário para nossa reflexão. O desejo de ser feliz que nos atravessa e ressoa em nossas escolhas e vivências constitui, quando alocado no interior da revelação cristã, um dos rastros mais evidentes da atuação de Deus em nossas vidas. Uma atuação que consiste no fundamento último de nossa humanidade e que nos permite sermos cada vez mais fiéis à nossa própria vocação humana, fundamentando e fortalecendo uma existência mais autêntica e feliz.

Quais sentimentos o livro provoca e quais contribuições você espera que seu ele possa trazer para a sociedade?

No primeiro capítulo o livro analisa o conceito de felicidade que permeia nossa sociedade. Reconhecemos nesta análise que ocorre uma apropriação mercadológica daquilo que compreendemos como ser feliz e isto gera um esvaziamento do seu sentido. Por isso é necessário devolver a felicidade a seu destinatário principal: o ser humano em sua busca cotidiana por ser feliz. Para além das respostas fáceis que pasteurizam a noção de felicidade, desejamos provocar uma retomada do olhar sobre o ser feliz. Para isto apontamos que a felicidade não será encontrada na lógica do consumo ou em pretensos estilos de vida que nos são impostos. Ela se situa, de maneira suave, nas entrelinhas de nossa humanidade. Ou seja, o ser feliz é experimentado na vivência dos valores que nos tornam verdadeiramente humanos,  como a liberdade, a solidariedade, a empatia, o acolhimento, a justiça…  Quando corremos o risco de viver estes valores, reconhecendo com coragem nossas vulnerabilidades  mútuas e alargando o sentido de nossa humanidade, descobrimos a felicidade como espaço de sentido para a vida.

 

O Reitor da Universidade Católica de Pernambuco, Padre Pedro Rubens Ferreira de Oliveira, também esteve presente na cerimônia de lançamento da livro. Autor do prefácio II do livro “Teologia da Felicidade”, Padre Pedro destacou a importância da pesquisa desenvolvida por Sérgio Albuquerque Damião. Ele elogiou a escolha do autor por uma tema que é pouco explorado, principalmente quando se tenta fazer uma relação com a teologia. Em sua síntese, proferida na cerimonia de lançamento da obra, o reitor chamou a atenção, ainda, para a pertinência do assunto e atualidade da reflexão proposta pelo autor.

O confira o texto na íntegra:

Teologia da Felicidade: a 1ª reflexão cristã do Brasil sobre o tema...

“Uma experiência de felicidade como realidade vivida e compartilhada”: com essas palavras o autor encerrou a sua bela tese (cf. p. 225), hoje na forma de livro (cf. p. 207). E é com essas palavras que começo esta breve apresentação.

  1. Apreciação geral
    1. A reflexão de Sérgio Albuquerque é mais que oportuna, nesse tempo difícil e doloroso da pandemia, mas que, ao mesmo tempo, suscita de cada pessoa abraçar a reinvenção do sentido da existência e de uma humanidade convalescente. Mas, além disso, essa obra vem preencher uma lacuna na teologia cristã, pelo menos no Brasil: identifiquei pouca coisa, mesmo em contexto internacional (inglês e francês); aqui no Brasil, a obra de Fernanda Leandro Ribeiro, intitulada “Umbanda e teologia da felicidade”, de 2013. Nesse sentido, foi interessante você trocar o título antigo: “Felicidade e Teologia: traços para uma reconciliação”. Creio que você faz, propõe e defende não apenas uma relação entre teologia e felicidade, mas uma verdadeira “teologia da felicidade”.

Cito apenas o que eu chamaria de sua hipótese de trabalho, segundo a formulação da p. 21, por sinal genial, a saber:

“Neste livro tratamos da felicidade com base na perspectiva cristã, como desejo de plenitude que habita o coração humano e que afeta o núcleo último da vida. Esse desejo é irrenunciável e fundamenta um ethos pessoal e coletivo que dinamiza o olhar, o viver e, como observado na vida do Profeta de Nazaré e na existência de tantos outros ao longo da história, muitas vezes, o próprio morrer”.

Busquei propostas de teologia da felicidade, inclusive em outras línguas. Além de ser um campo desértico, arrisco dizer que a reflexão de Dr. Sérgio Albuquerque marca um grande diferencial de abordagem para superar a antropologia pessimista ou os hedonismos ou as propostas de bem-estar individual ou ainda as teologias da culpabilidade ou do dolorismo, graças ao que você chama, com propriedade e precisão de um “reajuste de foco”. Assim, o evangelho é colocado como (novo) ponto de partida (cf. 137s) e, poderíamos ainda acrescentar que, a partir do concílio Vaticano II, retomando Trento, fala do evangelho como fonte da revelação. (cheque mate!), trabalhando a relação da felicidade com essa categoria central do Evangelho e da missão de Jesus, o Cristo: o Reino de Deus, embora eu preferiria falar de Reinado de Deus.

1.2. O tema dessa obra, portanto, não somente é pertinente e atual, mas vem preencher uma grande lacuna na teologia cristã. Mas ao falar de lacuna aqui não significa apenas falar de um lugar vazio, mas, ao contrário, a constatar que esse espaço foi preenchido por outra concepção que pode ser resumida em quatro características teológicas fundamentais.

- Primeiramente, uma antropologia pessimista que persiste no imaginário popular e nas entrelinhas de alguns discursos teológicos.

- Segundo, tais discursos estão associados a uma soteriologia que não abraça esse anseio fundamental da humanidade.

- Em terceiro lugar, mostra o indício de uma cristologia incompleta, pois, como diz o adágio patrístico, “o que não foi assumido pelo Cristo, não foi salvo”.

- Enfim, tudo isso implica, consequentemente, em uma escatologia parcial que não assume a história, dentro da dinâmica do Reino de Deus “já agora” presente, mas “ainda não” plenamente realizado.

Dr. Sérgio, portanto, traçou e articulou muito bem sua proposta nesses quatro eixos fundamentais, mostrando os elementos de uma construção interdisciplinar de uma verdadeira teologia da felicidade.

  1. Interlocução com o autor:

Dito isso, passarei agora a interagir com você, em forma de diálogo e questões, para ver se entendi bem o seu propósito e continuar o debate iniciado na defesa da tese:

    1. A sua entrada no tema é muito interessante, indicando tanto o problema da visão moderna e do Iluminismo como da teologia do pecado original.

Nesse ponto, creio que se pode falar, com Carlos Mendoza-Álvarez (cf. “O Deus escondido da pós-modernidade”), de um duplo fracasso tanto da cristandade como da própria modernidade, segundo a reflexão de que trouxe um diálogo com a sociedade contemporânea dita pós-moderna e reforçou os condicionamentos sociais para uma vida feliz.

Por isso, o livro me fez pensar em algumas perguntas: Será que a noção de pecado original ainda tem tanta influência para nossos contemporâneos? Aliás, nem se trataria de escolher entre um e outro, mas ter desenvolvido melhor esse outro polo. Afinal, será que o pecado social ou estrutural não representa uma maior ameaça à felicidade, sobretudo para os povos latino-americanos, mas também africanos e asiáticos, bem como os bolsões de pobrezas em países europeus ou da América do Norte? Como o projeto neoliberal condiciona o mercado, tornando tudo mercadoria? Nesse cenário, além de desvirtuar a noção de felicidade, a visão mercadológica transforma-a em mercadoria e, assim, exclui a grande maioria da população mundial.

    1. Destaco ainda alguns aspectos relevantes do livro:

Além da vasta e rica bibliografia, destaco um outro valor de sua tese, a saber: trazer dados de pesquisas quantitativas (cf. p. 48s) e pensar a partir desses dados, algo que nem sempre consideramos na teologia. Claro, muita coisa é difícil de quantificar, como a felicidade; mas, faz-se necessário, para saber os limites e buscar critérios, além da necessidade de fazer distinções como entre felicidade e bem-estar.

A capacidade de síntese é exemplar e torna o livro bastante didático. Destaco, por exemplo, o tratamento do espinhoso tema do pecado original (capítulo 2, da p.85-132): o autor consegue fazer, de maneira clara e objetiva, sem esquecer o que ele procura nesta pesquisa, dialogando com os mais diferentes autores, normalmente autoridades no assunto e comentando concílios e textos do magistério. Há passagens exemplares como, por exemplo, a sessão intitulada “Chegar à felicidade pela infelicidade” (p. 111s): o autor faz uma retomada sintética e faz uma dobradiça muito feliz e interessante...

No início do capítulo 4 o nosso autor, Começando pelo adágio “todo homem deseja ser feliz” (seria melhor dizer “ser humano”, linguagem mais inclusiva!), mostra a passagem do desejo ao direito e ao dever, incorrendo no risco de fracasso. Nesse cenário, ressurge a necessidade de reinterpretar a mensagem cristã, superando o dualismo e a inacessibilidade de atingir à felicidade, mediante a perspectiva da esperança (noção cristã por excelência!).

E a reflexão apresenta um paradoxo: por um lado, a teologia mostra um Deus não associado à felicidade, por outro, na cultura, constata-se a construção de uma felicidade sem Deus. Daí a importância de construir uma teologia da felicidade como “viver em Deus”, Deus como fonte da verdadeira felicidade. Assim, o autor retoma a pergunta que sua tese quer responder: “teria a felicidade um lugar no discurso teológico?” (p. 133-134). Muito bem construído e concatenado!

    1. A reflexão de prof. Sérgio Albuquerque faz várias alusões ao Papa Francisco, muito bem situadas e bastante adequadas.

            Caberia aqui recordar, por exemplo, o que disse um grande amigo do Papa, ao visitá-lo em Roma: “você parece estar feliz como papa”. E Francisco perguntou: “Como sabe?” E ele respondeu: “Porque na Argentina, você nunca aparecia sorrindo...”

Creio que teria sido interessante ressaltar a relação entre a alegria dos pobres, como sinal do Reino que aparece nos escritos do papa Francisco, bem como ter reforçado muita coisa com a Fratelli tutti, sobre a fraternidade e a amizade social. Reforçando a dimensão comunitária da felicidade, por exemplo: “A existência de cada um de nós está ligada à dos outros; a vida não é tempo que passa, mas tempo de encontro” (FT, 66); além de citar Vinicius de Moraes, o Samba da Benção, “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida” (FT,215).

Parabenizando nosso Dr. Sérgio Albuquerque e agradecendo por aceitar o convite de vir compor a nossa equipe da Unicap, concluo do jeito que o autor paraibano-carioca começou, recordando uma expressão de seu avô que coincide também com a minha experiência de infância e a benção de meu avô:

“Que Deus te faça feliz”, Sérgio! Em todo caso, sua pesquisa fará mais feliz a teologia e, espero, muita gente que não recebeu o anúncio do Reino como felicidade possível, além de tantas outras pessoas que estão vivendo situações difíceis, processos de perda e necessidade de elaborar o luto, sobretudo depois da experiência dessa pandemia.

Enfim, só posso agradecer ao autor e recomendar a leitura deste livro. Muito obrigado pela atenção!

 Pedro Rubens, Unicap, setembro de 2022.

 

 

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