Semana da Mulher presta homenagem a três mártires na luta pela causa socioambiental

Três mulheres mártires na luta pela causa socioambiental foram homenageadas pelo Instituto Humanitas Unicap, na noite desta terça-feira (18), durante a 23ª Semana da Mulher: Dorothy Stang, Elizabeth Teixeira e Margarida Maria Alves. Com mediação da Pró-reitora de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação, Valdenice José Raimundo, as palestras sobre a trajetória e legado dessas três grandes mulheres foram realizadas pelo coordenador do IHU, Padre Lúcio Flávio Cirne, pelo coordenador da Cátedra Unesco/Unicap Dom Helder Camara de Direitos Humanos, Manoel Moraes, e pelo professor da Escola de Tecnologia e Comunicação Cláudio Bezerra. 

Padre Lúcio destacou a história da Irmã Dorothy Stang, assassinada em 12 de fevereiro de 2005, em Anapu, no Pará, em decorrência de sua luta pelos direitos dos povos indígenas, contra o desmatamento e contra o tráfico humano. Ele lembrou que, na missa que marcou os 20 anos de martírio da missionária, Dom Erwin Kräutler, bispo emérito do Xingu, traçou o perfil da Irmã Dorothy, destacando sua "opção pelos pobres". Nascida nos Estados Unidos, ela chegou ao Brasil na década de 1960 e, em 1982, pediu para ser aceita na Prelazia do Xingu, expressando sua determinação em trabalhar entre os mais necessitados. Ela se instalou na Transamazônica-Leste, onde vivenciou a pobreza extrema da região até seu trágico assassinato.

O amor de Irmã Dorothy pelo povo da Transamazônica era evidente. Em uma de suas últimas entrevistas, afirmou: "Acredito muito em Deus e sei que Ele está comigo. Prefiro falar de vida e não de morte.  Não tenho tempo de pensar em coisa ruim. Mas, se eles me matarem, eu gostaria de ser enterrada em Anapu, junto daquele povo humilde. O Pará é a minha terra".  Com uma visão profunda sobre a conexão entre humanidade e natureza, Dorothy já previa, nas décadas de 1980 e 1990, as consequências devastadoras da degradação ambiental que hoje enfrentamos na Amazônia. Segundo Padre Lúcio,  Irmã Dorothy foi uma antecipadora da Ecologia Integral. Em uma de suas cartas, após expor sua preocupação com o cenário desolador que presenciava e sua impotência, dispara uma frase curta e de profundo significado: "Precisamos nos reconectar com a Mãe Terra".

O professor Manoel Moraes compartilhou com o público  a trajetória de Margarida Maria Alves, uma importante liderança camponesa da Paraíba. Ela foi a primeira mulher a presidir o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande.  Teve um papel fundamental na criação do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural, que ainda hoje atua na formação política e na defesa dos direitos dos trabalhadores. Ela lutou incansavelmente pelos direitos trabalhistas dos camponeses e, apesar das ameaças, continuou a sua luta até ser assassinada em 12 de agosto de 1983 com um tiro no rosto, em frente a sua residência e na presença do marido e do filho. Ela tinha 51 anos.

Ela era casada com Severino Cassemiro Alves, com quem teve um filho, José de Arimatéia Alves. Referência na ação política das mulheres campesinas, Margarida colaborou ativamente na fundação de uma das primeiras organizações da América Latina composta exclusivamente por mulheres, o Movimento de Mulheres do Brejo (MMB). Suas principais reivindicações eram pelos direitos trabalhistas elementares para camponeses da região, como carteira assinada, férias, regulamentação da jornada de trabalho, entre outras garantias. 

O professor Cláudio Bezerra, por sua vez, apresentou a história de Elizabeth Teixeira, que completou 100 anos no dia 13 de fevereiro. Nascida em Sapé, na Paraíba, Elizabeth sempre demonstrou uma forte consciência social desde a infância. Seu casamento com João Pedro Teixeira, um ato de resistência contra o racismo de seu pai, a levou a um envolvimento ativo na luta pelos direitos dos trabalhadores rurais. Através da fundação da Liga Camponesa de Sapé e da Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, Elizabeth se tornou uma voz poderosa em favor da reforma agrária e da educação.

De 1962 em diante, Elizabeth foi presa com recorrência, mas não desistia nem cedia diante das ameaças. Oito meses após o assassinato do marido, ela questionou dois donos de engenho da região por expulsar camponeses e foi presa no mesmo dia.  Os 11 filhos ficaram em casa, mas a mais velha não resistiu ao sofrimento diante das ameaças. Marluce Teixeira cometeu suicídio por envenenamento.

Já no início da ditadura militar, em 1964, Elizabeth viu a pior face da repressão à luta dos camponeses. Teve a sua casa incendiada e passou oito meses presa em um quartel do Exército. Ao sair da prisão, o terror continuou.  Ela foi se esconder no Rio Grande do Norte e mudou de nome. Nasceria em 1964, Marta da Costa. Teve ainda que rebatizar o único filho que conseguiu levar consigo. Os outros foram espalhados pelo Brasil e criados por parentes.

Após quase duas décadas no anonimato, o documentário Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho, trouxe novamente à luz a história dessa incansável mulher marcada para viver. O filme, que inicialmente seria centrado na vida de João Pedro, transformou-se em um poderosos retrato da resistência camponesa e da trajetória de Elizabeth, revelando ao Brasil uma mulher que suportou a violência do Estado e do latifúndio.

A trajetória de Elizabeth Teixeira é um testemunho da luta pela justiça socioambiental e da resistência feminina. Sua história, assim como a de Margarida e Irmã Dorothy, representa um legado de coragem e determinação, inspirando novas gerações a continuar a busca por um mundo mais justo e igualitário. Homenagear essas mulheres é resgatar a verdadeira história do Brasil e reconhecer o papel fundamental que elas desempenharam na construção de uma sociedade mais justa.