Conferência na 28ª Semana Teológica da Unicap debate desafios contemporâneos da teologia e tensões entre tradição e renovação

Nesta terça-feira (10), o auditório G1 da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) foi ponto de encontro para mais uma conferência da 28ª Semana Teológica. A programação da tarde contou com a palestra do Prof. Dr. João Décio Passos, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), intitulada "Os desafios contemporâneos da teologia: tradição, comunhão e missão". A conferência trouxe reflexões sobre as tensões e desafios que permeiam a teologia atual, com ênfase na interação entre tradição, comunhão e missão dentro da Igreja Católica e no cenário global. 

Um dos pontos centrais abordados pelo Prof. João Décio foi o surgimento de alianças inusitadas entre grupos pentecostais católicos e movimentos tradicionalistas dentro da Igreja Católica, algo que ele classificou como surpreendente. "Essas alianças, que até pouco tempo atrás eram impensáveis, hoje são uma realidade", afirmou. Esses grupos, segundo ele, encontram-se próximos ao entorno da Cúria Romana, e mesmo após 11 anos do pontificado do Papa Francisco, continuam exercendo influência. O professor destacou que essa presença é organizada e se articula em territórios específicos como Europa e Estados Unidos. 

Outro ponto relevante discutido foi o crescimento de uma afinidade entre os grupos tradicionalistas e setores da extrema-direita. Se, no passado, essa afinidade era implícita, hoje ela se tornou visível e explícita, abrangendo uma dimensão global. "Esses grupos apostam em uma cosmovisão do passado", explicou Passos, destacando que essas alianças são movidas pela defesa de uma visão conservadora que tenta estabelecer verdades sociais, políticas e religiosas vistas como eternas e imutáveis. 

João Décio também situou o crescimento do tradicionalismo no contexto de uma crise mais ampla, que ele identificou como a crise do modelo democrático-liberal. Segundo ele, a leitura feita por teóricos conservadores é de que esse sistema faliu e, com ele, também se desgastaram os pilares da ordem republicana e dos três poderes. "A ideia de que o regime democrático-liberal faliu significa que a ordem republicana que os três poderes estão falidos. E que nós precisamos de uma ruptura capaz de rever radicalmente tudo isso", disse, citando as análises do sociólogo Manuel Castells. 

Dentro da Igreja, o tradicionalismo também se fortalece em resposta a essa crise. Esses movimentos se posicionam como uma identidade de resistência em relação à renovação proposta pelo Concílio Vaticano II, que, conforme explicou o conferencista, de fato representou uma ruptura com paradigmas anteriores, como os do Concílio de Trento e do Vaticano I. Apesar da renovação teológica promovida pelo concílio, a Igreja manteve sua estrutura organizacional e hierárquica intacta. "A renovação dos valores, das ideias, da teologia do concílio não foi acompanhada por uma renovação estrutural. Do ponto de vista estrutural, a Igreja Católica saiu igualzinha, nem mesmo a estrutura canônica", explicou. 

Outro tema relevante trazido por João Décio foi a crítica ao clericalismo, que, segundo ele, permanece vivo e operante na estrutura da Igreja, apesar das tentativas de renovação conciliar. Ele ressaltou que o clericalismo, definido como a concentração de poder nas mãos do clero, encontra respaldo na estrutura canônica vigente. "O clericalismo conta com uma estrutura canônica que garante ao pároco poder total na paróquia", afirmou, explicando que essa estrutura permite o retorno de eclesiologias anteriores ao Vaticano II, bem como a permanência de práticas tradicionais que se opõem à visão de uma Igreja mais comunitária e participativa. 

O professor defendeu que, para enfrentar esses desafios, é preciso fazer o discernimento adequado da história, sem rejeitá-la, mas também sem aderir de forma acrítica a todos os aspectos que ela carrega. "A gente não joga a história fora como uma coisa do mal", disse ele, enfatizando que é fundamental entender os processos históricos e suas implicações, sobretudo no contexto atual de crise. 

Ao final de sua conferência, João Décio Passos trouxe uma mensagem de esperança, reafirmando o papel da fraternidade no cristianismo como uma resposta aos desafios contemporâneos. Ele destacou a importância de uma vivência cristã concreta, comprometida com o próximo, em contraposição a uma religiosidade desencarnada e virtualizada. "Eu acho que a teologia da Esperança é uma das chaves para entender o magistério do Papa Francisco”. 

Para Passos, a grande utopia cristã reside no Reino de Deus, e essa crença oferece uma esperança ativa, capaz de transformar a realidade, em vez de buscar respostas prontas em visões idealizadas do passado. "Nós, cristãos enfrentamos a crise não voltando para o passado, não inventando salvadores com regime de futuro, mas enfrentando o presente com a esperança de ser", concluiu.