Em cerimônia histórica, jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni recebe título de Doutor Honoris Causa concedido conjuntamente por UNICAP, UFPE e UPE

Pela primeira vez na história de Pernambuco, três universidades outorgaram, de forma conjunta, o título de Doutor Honoris Causa. O homenageado foi o jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, referência mundial em Direito Penal, Criminologia e Direitos Humanos. A solenidade ocorreu na tarde desta segunda-feira (16), no Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo do Estado, reunindo acadêmicos, juristas, pesquisadores e autoridades do meio jurídico.

Estiveram presentes na cerimônia a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, a desembargadora Germana Moraes, e os reitores das três universidades responsáveis pela honraria: padre Pedro Rubens Ferreira Oliveira (Unicap), professor Alfredo Macedo Gomes (UFPE) e professora Maria do Socorro de Mendonça Cavalcanti (UPE).

Ao longo de sua carreira, Eugenio Raúl Zaffaroni tem sido uma das vozes mais consistentes contra os abusos do poder punitivo e defensor incansável dos direitos humanos na América Latina. Ex-ministro da Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina (2003-2014), ex-juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos (2015-2022), presidente do Comitê Permanente da América Latina para a Prevenção do Crime (COPLAD) e professor titular da Universidade de Buenos Aires, Zaffaroni construiu uma trajetória que transborda os limites do campo jurídico, alcançando dimensões sociais, políticas e ambientais.

O discurso panegírico, proferido pela professora Érica Babini, da Unicap, destacou não só a contribuição acadêmica do jurista, mas também sua profunda sensibilidade social e seu compromisso com uma justiça que transcenda fronteiras. “Há homens que escrevem livros, há homens que proferem sentenças. E há aqueles raros que, com a palavra e o gesto, reencantam o sentido da Justiça. A estes, não basta um tributo; é preciso uma celebração viva — e é isso que hoje nos une aqui, diante de Eugenio Raúl Zaffaroni”.

Visivelmente emocionado, Zaffaroni agradeceu o reconhecimento e fez um chamado à resistência frente às adversidades sociais e econômicas. Ao ser questionado sobre como manter o otimismo diante das crises que atravessam o mundo, respondeu de forma contundente: “Não temos que ter medo do poder econômico, temos que lutar no dia a dia. Por que ser pessimista? Com depressão não fazemos resistência. Eles querem nos deprimir, mas não vão conseguir.”

A governadora Raquel Lyra ressaltou a importância das reflexões trazidas por Zaffaroni para a sociedade contemporânea: “As inquietações que ele trouxe a todos nós fazem profunda reflexão sobre qual nosso papel como líder, que sociedade a gente pode ajudar a construir pra que a gente traga momentos melhores para o nosso mundo.”

O panegírico também destacou o impacto direto da atuação de Zaffaroni em casos emblemáticos relacionados ao Brasil. Como juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, teve papel fundamental em decisões como o caso Povo Indígena Xucuru vs. Brasil, que garantiu os direitos territoriais dos povos originários, e no caso do Complexo do Curado, em Pernambuco, um marco na luta contra a superlotação carcerária e as violações de direitos humanos no sistema prisional brasileiro.

A cerimônia foi também uma oportunidade para reafirmar o compromisso das universidades com uma ciência crítica, socialmente comprometida e capaz de fomentar práticas jurídicas que rompam com lógicas punitivas e excludentes.

“As universidades que hoje prestam esta homenagem o fazem com este espírito: produzir ciência comprometida, promover justiça social e educar para a liberdade”, destacou Érica Babini em seu discurso.

Autor de obras fundamentais como “Em Busca das Penas Perdidas”, “O Inimigo no Direito Penal”, “Pachamama e o Ser Humano”, “Dogmática Jurídico-Penal para Nossa América”, entre outras, Zaffaroni tem impactado gerações de juristas e pesquisadores na América Latina e no mundo.

Seus estudos dialogam diretamente com a luta contra o hiperencarceramento, as desigualdades estruturais e a degradação ambiental, propondo um novo paradigma jurídico baseado na ecologia integral, nos direitos sociais e na dignidade humana.

Uma homenagem com significado histórico

Para o reitor da Unicap, padre Pedro Rubens, a outorga conjunta simboliza “um compromisso coletivo das universidades pernambucanas com um projeto de justiça que, mais do que acadêmico, é civilizatório”.

O reitor da UFPE, Alfredo Macedo Gomes, destacou que a escolha de Zaffaroni “inspira a fazer uma reflexão sobre os grandes desafios que a sociedade brasileira e a sociedade global estão enfrentando, constantemente atacadas em suas democracias, em seus valores que alicerçam as boas relações entre os cidadãos. E é necessário que nós possamos unir esforços das nossas universidades, mas da sociedade de maneira geral, em defesa da democracia, do Estado Democrático de Direito, e dos direitos humanos”.

Já a reitora da UPE, Maria do Socorro de Mendonça Cavalcanti, ressaltou que “celebramos nesta cerimônia a trajetória singular de um intelectual que dedicou sua vida ao estudo das ciências criminais e à defesa intransigente dos direitos humanos e, assim, reafirmamos os valores que nos unem como universidade pública comprometida com a democracia, a justiça social e a produção de um conhecimento transformador.''

Ao encerrar seu discurso, Érica Babini sintetizou o sentimento que tomou conta do Palácio do Campo das Princesas. “Professor Zaffaroni, neste chão de tantas lutas e esperanças, Pernambuco o abraça. Sua obra é semente que germina em nossas salas de aula, em nossas ruas e comunidades; oxalá também o seja em nossas decisões judiciais”.