Publicado Por: Alessandro Douglas

DIREITO DAS MULHERES

Nos últimos anos, a pauta de Direitos das Mulheres tem se tornado mais familiar para sociedade. A violência, o assédio, defender direitos sexuais e reprodutivos, reivindicar injustiças salariais, feminismo e suas vertentes, entre outros, esses são alguns dos assuntos mais recorrentes nos debates de direitos deste grupo social. 

Esses direitos podem ser encontrados no documento da Organização dNações Unidas (ONU):

“A mulher tem direito à liberdade, a estar livre de toda e qualquer forma de discriminação, educação, saúde, proteção, e o direito de não ser submetida a torturas e maltrato”.

REPRESENTATIVIDADE POLÍTICA PARA GARANTIA DOS DIREITOS

Segundo a Inter-Parliamentary Union, o Brasil ocupa o 152° lugar em participação das mulheres em cargos eletivos federais dentre 172 países ranqueados. Essa colocação só prova que, sem representatividade política, é impossível garantir direitos. 

Ainda de acordo com a ONU, nos artigos 2 e 3 estão está previsto que as mulheres terão condições de igualdade e o mesmo direito que os homens de ocupar postos públicos e exercer todas as funções públicas estabelecidas em virtude da legislação nacional, sem nenhuma restrição.

MULHERES EM SITUAÇÃO DE RUA

Se o foco for em uma parcela mais marginalizada das mulheres no país, o caso piora. Como o das Mulheres em Situação de Rua. Quem luta pelos direitos dessa população? Que políticas públicas são direcionadas exclusivamente a esse grupo? Em que situação essas mulheres vivem no país e o que pode ser feito para garantir seus direitos?

Segundo o IBGE, no ano passado mais de 210 milhões de pessoas viviam nas ruas, e de 2018 para 2019, essa população cresceu em mais de 1.6 milhões. A maioria é formada por homens, contudo, os 15% a 20% representados pelas mulheres, são os que mais sofrem com a vulnerabilidade e violência.

Os casos das mulheres que chegam à situação de rua variam desde pobreza, vínculos familiares cortados, violência domésticas e etc.

Nivete Azevedo, coordenadora do Centro das Mulheres do Cabo, organização feminista sem fins econômicos fundada em 1984, explica que há dificuldade dessas mulheres viverem até em áreas mais precárias. “Nem essa condição elas conseguem ter pela desestruturação que já vivem em outras áreas da vida. A própria questão econômica as obriga a levar os filhos às ruas, porque vê como a única forma de conseguir sobreviver,” completa Nivete.  

Ingrid Farias, integra a Rede Nacional Feminista e Antiproibicionista/ONG Escola Livre de Redução de Dano. Ela explica que a violência e a situação de pobreza levam essas mulheres à condição das ruas.

“Isso acontece por que essas mulheres tiveram outros direitos violados como a moradia, educação, cultura, trabalho. Essa é a realidade”.

É comum que as mulheres em situação de rua sejam criminalizadas injustamente e tipificadas como traficantes. Ainda de acordo com Ingrid, as usuárias são encarceradas sem a devida avaliação de casos.

Segundo dados Internacionais, 75% das mulheres que já moraram nas ruas em algum momento da vida, trabalham como profissionais do sexo. Entre 85% e 95% das que estão na prostituição, desejam escapar mas não têm outras opções de sobrevivência. 

“Elas estão nesse contexto por que não tem acesso a trabalho, né, elas fazem isso por ausência de oportunidade mesmo.” comenta Ingrid.

A omissão das gestões governamentais nesses casos agrava o problema, já que são poucas as políticas públicas voltadas para este grupo. Em 2009 foi criada a Política Nacional para População em Situação de Rua, a PNPR. 

Instituída pelo Decreto n° 7053, a PNPR “garante os processos de participação e controle social e entre seus princípios estão, além da igualdade e equidade, o respeito à dignidade da pessoa humana; o direito à convivência familiar e comunitária; a valorização e respeito à vida e à cidadania; o atendimento humanizado e universalizado; e o respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade, nacionalidade, gênero, orientação sexual e religiosa, com atenção especial às pessoas com deficiência”.

 

Essa garantia, no entanto, é falha e não detalha as necessidades dos grupos específicos que vivem nas ruas como as mulheres, os idosos e as crianças. Os programas que geralmente são disponibilizados por parte do governo, atendem de forma generalizada.

Esse atendimento específico auxiliaria na proteção das mulheres, por exemplo, que não são o grupo majoritário das ruas, já que os homens dominam o cenário.

Para elas, há duas escolhas: ser independente e viver por si só nas ruas, correndo o risco de serem violentadas e abusadas, ou serem dependentes de um companheiro (muitas vezes violento) para diminuir as chances de abuso por parte de outros em situação de rua, polícia ou civis. 

Em 2018, um levantamento do Datafolha mostrou que 16 milhões de mulheres acima de 16 anos sofreram algum tipo de violência. Desses 16 milhões, 29% correspondem à taxa de violência nas ruas. As agressões são feitas por homens, seja por parte dos próprios companheiros ou por outros em situação de rua.

Sobre os casos de marginalização e violência, Ingrid ainda acrescenta fatores que podem fortalecer essas mulheres a mudar o cenário em que vivem.

“É necessário fazer ações de fortalecimento dessas mulheres, para que elas participem de processos de participação política, e refletir sobre a própria condição social”.

Para a enfermeira e integrante do setor de saúde do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Susi Silva, é importante que se pense em como os corpos femininos e masculinos são vistos socialmente, e o significado disso sobre quem vive nas ruas. 

“A gente sabe que o corpo da mulher é dito corpo público e o do homem, privado. Então imagina o que deve significar o corpo de uma mulher totalmente vulnerável, em situação de rua”, ela diz. A privação dessa mulher de todos os seus direitos, afirma Susi, tem como consequência o corpo marcado por incontáveis violências. 

Ela chama a atenção, ainda, para a forma como a saúde das mulheres em situação de rua é afetada.

 “Essas mulheres adoecem, principalmente, pela somatização. Elas têm dezenas de transtornos mentais devido à maneira como vivem, à exposição à violência”. A enfermeira diz que as principais demandas relacionadas à saúde delas, assim, são de ordem psíquica, devido a essas somatizações. 

Contrariando a máxima de que quem recebe apenas violência pode somente oferecer violência, Susi enfatiza a importância do processo de humanização de todas e todos vivendo nas ruas. “Como podemos reverter essa circunstância? Não é possível reverter nenhuma situação de negação de direitos sem ofertar direitos básicos”, defende. 

Movimentos Sociais e Realidade das Mulheres em Situação de Rua 

Na luta pela reparação da dignidade e pelos direitos da população em situação de rua (PSR), entre as organizações que buscam garantir algum bem-estar da PSR se encontra a ONG Samaritanos, surgida na Paróquia de Casa Forte, em 2015, a partir de uma iniciativa de apenas 14 pessoas. Com base na capital pernambucana e mais de 200 integrantes, hoje, o grupo realiza trabalhos de atendimento seguindo os pilares da assistência social, cidadania e voluntariado. 

Foto retirada do Facebook da Samaritanos (Facebook.com/ gruposamaritanosrecife)


Pelo Recife, de acordo com o coordenador da ONG, Rafael Araújo, são oferecidas comida e roupas e são distribuídos itens como absorventes e camisinhas. Além disso, a Samaritanos realiza atendimentos de saúde e acesso à Justiça através de comissões próprias e, ainda, a capacitação e reinserção da PSR ao mercado de trabalho. 

Foto retirada do Facebook da Samaritanos (Facebook.com/ gruposamaritanosrecife)


Outra organização pautada pelos cuidados com a população mais vulnerável e com ações no Recife é o coletivo Unificados pela População em Situação de Rua. Formado após o início da pandemia da Covid-19 para se ter uma rede de atendimentos mais completa à PSR, e contando com o apoio de grupos populares como o MST, com o Armazém do Campo, o coletivo é composto por pessoas que já atuavam atendendo pela região metropolitana. 

Magdala Mirelle, coordenadora de voluntários do Unificados, explica que o trabalho do programa é tentar resgatar a autoestima das pessoas em situação de rua. “A gente oferece corte de cabelo, banho, para tentar resgatar pelo menos um pouco de dignidade dessas pessoas,” diz Magdala.

São grávidas, dependentes químicos, mulheres que se sentem obrigadas a viver com parceiros violentos pelo medo de viverem só nas ruas. Segundo Magdala, não existe uma defesa mútua nos casos que observa. Se uma mulher é violentada, quem está ao redor não intervém e a lei do “cada um por si” prevalece.

No caso das gestantes, o Coletivo Unificados trabalha para conscientizar essas mulheres sobre a importância no corte de bebidas alcoólicas e drogas, além da higiene.

“Quando tentamos orientar, nos falar que já tiveram filhos nas ruas antes e nada tinha acontecido, que os cuidados não são necessários” diz Magdala.

Por morarem nas ruas, essas mulheres passam a naturalizar, sem querer, o descuidado, o desafeto e a indiferença. E é aí que os projetos, grupos de apoio e ONGS entram em ação, quando tentam resgatar a humanidade, cuidar e orientar esse grupo. Pessoas como Ingrid, Magdala e tantas outras que participam de projetos beneficentes, estão dispostas a doar uma parte de suas vidas para melhorar outras. 

Informações gerais dos Movimentos Sociais (onde atuam)

Coletivo Unificados pela População em Situação de Rua

Os pontos fixos de atendimento do Unificados pela População em Situação de Rua se distribuem entre o Armazém do Campo (Av. Martins de Barros, 387, Santo Antônio), onde, em parceria com a campanha Marmita Solidária do projeto Mãos Solidárias, são oferecidos refeições de café da manhã e jantar; o Armazém 14 (Av. Alfredo Lisboa, s/n), com banhos e alimentos oferecidos; e o prédio do antigo Liceu de Artes e Ofícios (Praça da República, 281, Santo Antônio), que está como ponto de higienização onde são oferecidos serviços como corte de cabelo, banho e troca de roupa.  

Foto retirada do Instagram do Coletivo Unificados (@unificadospsr)


Seguindo as recomendações de cuidado da Organização Mundial de Saúde (OMS) na realização dos trabalhos, o grupo possui 20 coordenadores que se dividem em cinco setores. No geral, são 700 voluntários. 

Foto retirada do Instagram do Coletivo Unificados (@unificadospsr)

É possível saber mais sobre o coletivo Unificados pela População em Situação de Rua em seu Instagram, @UnificadosPSR. 

ONG Samaritanos

A ONG Samaritanos tem como ponto fixo de ação o Liceu de Artes e Ofícios, na Praça da República. No local, a população em situação de vulnerabilidade social recebe refeições e acesso a serviços para higiene como banho e lavagem de roupas. 

Nas ruas de 19 bairros da cidade do Recife, para além da distribuição de refeições e itens de vestimenta e higiene, as ações da Samaritanos se concentram também em projetos a exemplo do ViveRua!, de atendimento de saúde por meio de uma comissão de saúde. No Ronda de Direitos, é oferecido o acesso à Justiça por meio da comissão jurídica do grupo, a Veritas, em parceria com os núcleos de Direitos Humanos das Defensorias Públicas da União e do Estado. 

Há ainda o Volver, com o objetivo de capacitar e reinserir a PSR ao mercado de trabalho. Com banco de currículos, o projeto Volver teve em 2019 a primeira turma formada, majoritariamente composta por mulheres. As comissões dos projetos da ONG, entre os mencionados e outros, são compostas por profissionais e estudantes das respectivas áreas.

Mais informações no Instagram dos Samaritanos, o @Samaritanos.Recife. 

Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)

A Universidade Católica de Pernambuco criou uma rede de solidariedade chamada CO-vida, na qual vários profissionais da instituição, de acordo com seus conhecimentos, ajudaram de alguma forma a administrar a crise.

Segundo o Professor João Elton do Instituto Humanitas, serviços como confecção de máscaras e ações feitas por  profissionais de saúde para essa população, são algumas das atividades realizadas pela instituição de ensino.

Juntamente com o Governo do Estado, Governo municipal, o Porto Social e algumas ONGS, o espaço do Liceu Artes e Ofícios foi disponibilizado para os atos solidários. 

Alunos, professores e funcionários podem participar como voluntário nas ações para a população de rua, e no site Unicap.br, é possível encontrar informações sobre a campanha Todos Pela Rua, também realizada pela universidade. 

Matéria: Caroline Cardilane e Luiz Rodolfo Libonati

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